Infelizmente, eu não sou a porra de um poodle de madame
Um manifesto de instinto, raiva e herança suja
Eu não tenho pedigree, não tenho sobrenome, não tenho ideia de como posso rastrear a minha extensa e variada árvore genealógica.
Meus pais, não campeões de concurso de beleza ou experts em agility, não chegaram de avião com certificações e prêmios.
Nunca receberam um petisco por ter feito um truque — aliás, nunca aprenderam um truque sequer.
Mas aprenderam na raça como serem cães de serviço.
Com chicotadas nas costas, conseguiram puxar trenós, ignorar a fadiga e as patas em carne viva.
Nunca puderam aprender pelo amor — foi sempre pela dor.
A dor pedagógica que faz um cachorro colocar o rabinho entre as pernas e mostrar os dentes.
Infelizmente, eu não sou a porra de um poodle de madame.
Nunca tive nem ao menos um jornalzinho para fazer xixi.
Eu nunca vou me acostumar com a ração premium depois de ter chafurdado no lixo delicioso da aristocracia.
Não tive lacinhos cor-de-rosa, tosa higiênica ou fui castrada para controlar os meus desejos.
Aliás, tudo o que mais tenho é desejo — que a aristocracia não conseguiu tirar de uma cachorra de rua.
Não passeio duas vezes por dia para fazer as minhas necessidades de forma mais sanitária possível.
Eu vivo 27/4 para satisfazer todas as minhas necessidades.
Não tenho colo, não tenho quem trate as minhas feridas — só as lambo até se cicatrizarem.
Caminho, caminho, e persigo o meu próprio rabo.
Minha existência começa e termina em mim, rodopiando várias vezes.
Acredito que dei mais sorte do que um poodle de madame.
Não carrego comigo meus antepassados.
Não tenho como jogar o brasão da minha família na lama — porque foi da lama que nós viemos.
E eu gosto disso.
É a versão selvagem de um animal doméstico.
Selvagem, doméstico, selvagem.
Na natureza, na cidade e na selva de pedra.
Sem colo, sem satisfação.
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